20.6.10

A Questão das Áreas de Reserva Legal nos Imóveis Rurais

Por Ubirajara Alves de Abreu* Em 10/12/2.009 foi editado o Decreto nº 7.209 que institui o “Programa Federal de Apoio à Regularização Ambiental de Imóveis Rurais”, também denominado “Programa Mais Ambiente”. Entre as regras estabelecidas por esse Decreto ganhou destaque na mídia em geral a disposição do art. 15 do decreto, que prorrogou até 11/06/2.011 o prazo para os proprietários de áreas rurais averbarem nos Registros de Imóveis as áreas de “Reserva Legal” . A partir desse prazo, a falta dessa “averbação” será considerada “infração ambiental”, sujeitando os respectivos infratores a pesadas sanções, que consistem de multas de elevadas quantias (sanções previstas nos Decretos 6.514 de 22/7/08 e 6.686 de 10/12/08). O Decreto 6.686 de 10/12/08 concedeu o prazo até 11/12/08 para que os agropecuaristas cumprissem suas determinações de averbação das áreas de reserva legal, além de modificar outros dispositivos do decreto anterior que previam infrações e sanções respectivas. Esse prazo foi agora prorrogado para 11/06/2.011 pelo Decreto 7.209 de dez/2.009. Mas as graves conseqüências para os proprietários rurais que não averbarem suas áreas de “Reserva Legal” não ficam apenas nas multas pesadas; sem essa averbação ficam proibidas renovações de licenciamentos ambientais para atividades agropecuárias, financiamentos para essas atividades não são concedidos e até os atos de disposições da terra (transmissão de propriedade, desmembramentos, retificações de matrícula) ficam impossibilitados porque o registro desses atos fica proibido sem a averbação da área de “reserva legal” em cada propriedade. Está criada uma situação de grande insegurança jurídica e comprometimento da produção no campo. Explica-se. A recomposição das áreas de “reserva legal” transformou-se em questão relevante para os destinos do agronegócio no País. O que está em jogo é o equilíbrio entre a produção agropecuária e a manutenção da cobertura vegetal nas áreas rurais dentro de uma perspectiva ecológica (preservação do solo, dos mananciais de água e das emissões de carbono), ou seja, o desenvolvimento ecologicamente sustentável do agronegócio. As áreas de “reserva legal” são aquelas existentes em imóveis rurais e que devem ser preservadas com sua cobertura vegetal original intactas. Desde 1.930 a Lei brasileira prevê a constituição de áreas de “Reserva Legal” em cada propriedade rural, cujo objetivo é preservar as florestas e vegetação nativa. O atual Código Florestal (a Lei 4.771/65, modificada pela MP 2166/01, que tem 67 reedições) define o que se entende por “Reserva Legal” bem como prevê as porcentagens de cobertura vegetal que devem ser preservadas dentro dessas “reservas” nas propriedades rurais, dependendo da região onde se localizam essas propriedades. Assim, tal cobertura vegetal nas áreas rurais na Amazônia Legal deve ser mantida em 80%; em 35% nas áreas rurais de cerrado na Amazônia Legal e em 20% nas demais áreas rurais em qualquer região do país. Além da “reserva legal”, o mesmo Código Florestal define também as “Áreas de Preservação Permanente”, que são aquelas que, com cobertura vegetal ou não, têm a função ambiental de preservar recursos hídricos, a estabilidade do solo, a biodiversidade e o fluxo gênico da fauna e da flora, a própria paisagem e o bem estar das populações (por exemplo as áreas ao longo de rios e qualquer curso de água, áreas ao redor de lagoas e reservatórios de água, nascentes de água, áreas no topo de morros, montanhas e serras, em encostas com declividade superior a 45 graus, áreas destinadas à fixação de dunas e à estabilização de mangues). A lei ao instituir e definir tais áreas tem objetivos declaradamente ecológicos, o que é meritório. Ocorre que, desde a instituição das áreas de “reserva legal” e de ”preservação permanente” nas propriedades agropecuárias, a matéria suscita questões de solução complexa. Trata-se de disciplinar o “uso do solo”, com vistas ao equilíbrio ecológico; aliás, a questão diz respeito também aos espaços urbanos, e o Código Florestal fala disso quando trata das ”Áreas de Preservação Permanente” nos municípios (art. 2º, § único, do Cód. Florestal). Nas áreas de produção agropecuária a questão é mais crítica, pois além das áreas de “Reserva Legal” e de “Preservação Permanente” são retiradas do uso econômico áreas de “reservas indígenas” e áreas remanescentes de “quilombos”. Assim, restringe-se o uso de extensas áreas para o agronegócio. As áreas com situação de desmatamento já consolidadas geram o primeiro questionamento. São regiões como da Amazônia Legal, por exemplo, uma vez que naquela região, no período dos governos militares, a ocupação do solo na região era incentivada pelo próprio governo, que via nessa ocupação uma questão até de segurança nacional. O Código Florestal, antes da modificação feita em 2001, autorizava o desmatamento na região de até 50% das propriedades rurais. O mesmo ocorreu no Centro Oeste na década de 80. Em ambas regiões o governo da época incentivou a ocupação e o desmatamento, inclusive financiando a atividade, com liberação dos recursos apenas àqueles que ocupassem efetivamente o solo e o colocassem em produção agropecuária, ou seja, desmatando. Exigia-se, como agora, uma autorização prévia para esse desmate, que era sempre concedida. A partir de 2.001 a exigência aumentou (80% de preservação na Amazônia legal e 35% para o Cerrado na mesma Amazônia Legal. Assim, áreas que antes de 2.001 eram regulares quanto ao desmatamento passaram a não ser a partir daí e seus proprietários, antes produtores, passaram a “infratores ambientais”. Como áreas “consolidadas” estão também aquelas com ocupação definida antes da promulgação dos Códigos Florestais. Quando da promulgação do Código Florestal, em 15/9/1.965, e antes ainda, com o Código Florestal anterior (Decreto 23.793, de 23/01/1.934), que também cuidou de limitações ao desmatamento, a situação de ocupação do solo nas áreas destinadas à agropecuária encontrava-se com situações já consolidadas. Assim, áreas que, pela definição da lei, deveriam ter uma parte de cobertura vegetal preservada, já não possuíam tais coberturas quando vieram as Leis impondo a “reserva legal”. Além disso, ao longo do tempo, áreas já sem cobertura vegetal antes desses Códigos Florestais foram sendo transferidas e negociadas, muitas delas fracionadas e vendidas como propriedades rurais com áreas menores. E já sem cobertura vegetal de “Reserva Legal”, ou com cobertura abaixo dos limites exigidos pela Lei. Além das áreas rurais com a situação já consolidada, outras dificuldades para a implementação do Código Florestal estão na própria questão agrária (de titularidade das terras), ainda não equacionada no país. Essa dificuldade aparece quando se exige a averbação da área de reserva legal na matrícula do imóvel. O governo, através do Incra, iniciou, há pouco tempo, um esforço para a regularização das matrículas das áreas rurais. A obrigatoriedade do “georeferenciamento” na descrição atualizada dessas matrículas é o ponto chave dessa estratégia. Mas o governo já está ciente que, dadas as dificuldades técnicas e o custo do georeferenciamento, essas medidas de regularização agrária levarão algumas décadas para serem concluídas a um custo estimado de pelo menos R$ 3 mil por hectare, valor que pode subir bastante, dependendo da região do País. Como forma de enfrentar todas essas dificuldades, a opção do governo foi reprimir os agropecuaristas, com base nas sanções previstas nos Decretos 6.514 de 22/7/08 e 6.686 de 10/12/08. O agronegócio passou a ser classificado como o grande vilão dessa história, que é secular no país e remonta a todas as estratégias de ocupação do solo brasileiro que precederam os códigos florestais. Alguns produtores rurais no interior de São Paulo já estão sofrendo sanções impostas pelo Ministério Público paulista, ligado ao meio ambiente, através do embargo de atividades agrícolas e suspensão de créditos ao setor, a partir de supostas infrações ao meio ambiente pela falta de averbação da área de Reserva Legal, tudo com base nos já referidos Decretos. Vemos, portanto, uma questão com aspectos jurídicos e econômicos importantes, além de um impasse. É discutível a própria legalidade e constitucionalidade das exigências do Código Florestal frente às situações já consolidadas antes de sua edição, ou em atendimento a legislação anterior. Assim como é questionável a constitucionalidade do Decreto 6.686/2.008 quando modifica um outro decreto anterior. Sem uma solução de consenso entre as partes envolvidas, a matéria haverá de ser decidida pelos tribunais superiores, em especial o STF, a corte constitucional do país. Ocorre que, até lá, os agropecuaristas regulares, que são vítimas dessas circunstâncias, sofrerão todas as conseqüências e o peso das pressões montadas pelo governo atual. A prorrogação de prazo para o agronegócio “se regularizar” quanto à “Reserva Legal”, colocada pelo Decreto 7.029 de 10/12/2.009, é uma medida paliativa apenas. A pressão é justa e mais do que justificável sobre aqueles que poluem e degradam o ambiente. Mas aqui se trata de outra coisa. Os agropecuaristas regulares, ou seja, aqueles que não degradaram nada, que possuem áreas fora das especificações do Código Florestal pelas razões já expostas, não podem ser considerados, de repente, os responsáveis por atos passados, em especial se tais atos foram regulares ao tempo em que praticados. Da mesma forma, é preciso discutir tecnicamente a forma mais eficiente de se instituir áreas de “Reserva Legal”, para se atingir o objetivo de preservação da fauna e flora; é questionável sob este ponto de vista a criação de “ilhas” de preservação dentro de cada propriedade, sem comunicação entre elas. Por sua vez, o impacto econômico dessa questão é extremamente grave e atinge a agropecuária brasileira de forma negativa, em um momento em que ela se consolida como um dos pilares de uma economia que desperta a atenção do mundo. A solução depende de uma revisão do Código Florestal, que aliás já está em curso. A reforma do Código Florestal merece uma matéria específica para o exame da questão, que é extensa. É preciso deixar claro que a solução dos erros históricos ligados ao uso do solo na área rural não pode ser imputada exclusivamente ao agronegócio. O país precisa saber que o agropecuarista regular é o maior interessado nas boas práticas ambientais, que preservam o solo e a água, simplesmente porque ambos são a matéria prima do seu trabalho, pois sem eles não se produz nada. É óbvio que o equilíbrio está no meio, na ponderação de todos os lados envolvidos nessa questão. Mas a recuperação das áreas desmatadas, onde elas precisam ocorrer, não poderá ser feita exclusivamente às custas do agronegócio. O agronegócio aceita dar sua parte na construção de uma solução para os erros passados, para os quais não agiu de forma irregular. Mas os outros agentes dessa mudança, em especial as autoridades constituídas, devem ajudar de forma construtiva e não meramente repressora. A repressão deve ficar reservada aos que agirem de forma criminosa. * Ubirajara Alves de Abreu, é advogado e especialista em Direito Empresarial pela PUC-SP. Também leciona e é responsável pelas áreas de Agronegócios e Contratos do escritório Cerqueira Leite Advogados Associados. Fonte: Assessoria de Imprensa

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